quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Encarte 2 - 9 Plano de Manejo

1.2.3. Mastofauna


1.2.3.1. Materiais e Métodos


O levantamento de mamíferos foi realizado em uma campanha no mês de outubro de 2010, segundo o método da AER, em dez pontos distintos, escolhidos previamente e que tentaram representar a maior diversidade de ambientes presentes na APA Municipal do Rio Vermelho/ Humbold. Foram visitados e obtidos registros de campo em ambientes distintos, como áreas de floresta bem preservada e outras alteradas, campos, plantações de pinus e eucaliptus, áreas de pasto, margens de pequenos e grandes rios, além das estradas percorridas durante as amostragens.

Existe uma grande variação nos hábitos de vida, tamanho corpóreo e preferências de habitat entre os mamíferos terrestres. Desta forma, se torna necessário a aplicação de várias metodologias para o inventariamento completo dos diferentes grupos de espécies em uma dada comunidade (VOSS; EMMONS, 1996). No presente estudo, as amostragens da mastofauna foram realizadas a partir de registros de evidências diretas, como visualização, audição e de evidências indiretas (vestígios) como fezes, pegadas e ossos.

Alguns relatos de moradores ou outros informantes foram tomados de forma a complementar e confirmar a ocorrência de algumas espécies na região, principalmente as mais comuns e de mais fácil identificação.

Durante os percursos, no caso de visualização de um animal, a identificação foi feita segundo Emmons e Feer (1997) e Achaval et al, (2004) e Reis et al, (2006).

Foram considerados como vestígios pegadas, fezes, ossos e dentes. Marcas como tocas e fuçadas em áreas abertas, principalmente em formigueiros e cupinzeiros, foram consideradas para espécies de tatu, mas não possibilitam a identificação da espécie, e convencionou-se associar o registro a espécies do gênero Dasypus spp. que aparentemente, são os mais comuns na região. Marcas de cheiro foram consideradas apenas para Lontra longicaudis. As pegadas foram fotografadas, medidas e identificadas segundo Becker e Dalponte (1991), e Borges; Tomás (2004). As fezes foram consideradas para a identificação da lontra, capivara e preá, que são mais comumente encontradas e de fácil identificação. Carcaças, dentes e crânios foram fotografadas e coletadas quando necessário, para posterior identificação com auxílio dos guias de campo.

Para a confecção da lista de espécies de possível ocorrência na área, realizou-se uma pesquisa bibliográfica utilizando como base os trabalhos de Cherem et al., (2004), Reis et al., (2006); Pacheco; Marques, (2006); Cáceres; Monteiro-Filho, (2006); Comitti; Dornelles, 2006; Reis et al., (2007); Bonvicino et al., (2008), e para as espécies ameaçadas, Machado et al., (2008), e IGNIS (2010).


1.2.3.2. Resultados


Foram registradas 21 espécies de mamíferos, (Tabela 3) distribuídas em cinco ordens e 15 famílias da seguinte forma: (Didelphidae) Philander frenatus (OLFERS, 1818) (Anexo 7, Foto 2); (Dasypodidae) Dasypus sp. (LINNAEUS, 1758); (Cebidae) Cebus nigritus (GOLDFUSS, 1809), (Atelidae) Alouatta guariba clamitans (HUMBOLD, 1812) (Anexo 7, Foto 2); (Felidae) Leopardus pardalis (LINNAEUS, 1758) (Anexo 7, Foto 4), Leopardus wiedii (SCHINZ, 1821) (Anexo 7, Foto 5), Puma concolor (LINNAEUS, 1771) (Canidae) Cerdocyon thous (LINNAEUS, 1766); (Mustelidae) Eira barbara (LINNAEUS, 1758), Galictis cuja (MOLINA, 1782) e Lontra longicaudis (OLFERS, 1818); (Procyonidae) Procyon cancrivorus (G.CUVIER, 1798); Nasua nasua (LINNAEUS, 1766); (Artiodactila) Tayassu pecari (LINK, 1795); (Cervidae) Mazama sp. (RAFINESQUE, 1817) (Anexo 7, Foto 6); (Sciuridae) Guerlinguetus aestuans (LINNAEUS, 1766); (Cricetidae) Sooretamys angouya (FISCHER, 1814); (Caviidae) Cavia sp. (PALLAS, 1766) e Hidrochoerus hidrochaeris (LINNAEUS, 1766) (Anexo 7, Foto 7); (Cuniculidae) Cuniculus paca (LINNAEUS, 1758) e (Echimydae) Kannabateomys amblyonyx (WAGNER, 1845).

Entre estas, Alouatta guariba clamitans, Leopardus pardalis, Puma concolor, Tayassu pecari, e Cuniculus paca estão incluídas em alguma categoria de ameaça segundo a lista das espécies ameaçadas do Brasil (MACHADO et al., 2008) e Santa Catarina (IGNIS, 2010).

A lista das espécies registradas em campo, local do registro (Pontos de amostragem de 1 a 10), número total de registros, e tipo de registro (1: visual; 2: pegadas; 3:fezes; 4: Fuçadas ou tocas; 5: atropelado; 6: relato), encontra-se na Tabela 3.

  1. Lista de espécies registradas em campo
Espécies
Nome popular
Local (Ponto)
Nº de registros
Tipo de registro
Philander frenatus
Cuíca-de-quatro-olhos
2,6,8
3
2
Dasypus novemcinctus
Tatu-galinha
1,2,3,5,6,7,8
16
2,4
Cebus nigritus
Macaco-prego
4
1
1
Alouatta guariba
Bugio, mono
4
1
1
Leopardus pardalis
Jaguatirica
4,8
2
2
Leopardus wiedii
Gato-maracajá
4,8
2
2
Puma concolor
Puma, leãozinho
6
2
3
Cerdocyon thous
Graxaim, cachorro-do-mato
2,3,10
5
2
Eira barbara
Irara
3,9
2
2
Galictis cuja
Furão
8,9
2
2
Lontra longicaudis
Lontra
6,7,8,9
10
2,4
Nasua nasua
Quati
3,8
4
2
Procyon cancrivorus
Mão-pelada
8
2
2
Tayassu pecari
Queixada, porco-do-mato
10
1
6
Mazama goazoubira
Veado-catingueiro
5,8,10
5
2
Guerlinguetus ingrami
Esquilo, serelepe
9
1
1
Sooretamys angouya
Rato-do-mato
6
1
1
Cavia fulgida
Preá
6
1
3
Hidrochoerus hidrochaeris
Capivara
1
4
2
Cuniculus paca
Paca
8
1
2
Kannabaetomys amblyonyx
Rato-da-taquara
6
1
1
Total de espécies: 21
21
10
67
6


Dentre todas as espécies registradas, a ordem Carnivora é mais bem representada, com nove espécies (42,86 %), seguida de Rodentia com seis (28,57 %) Primates e Artiodactyla com duas (9,52 % cada) e Didelphimorphia e Xenarthra com uma (4,76 % cada) (Figura 6).
        1. Proporção das Ordens de mamíferos registradas no presente estudo

Entre todos os registros, as espécies mais registradas foram Dasypus sp. (16), seguido de Lontra longicaudis (10), Cerdocyon thous (5), Hidrochoerus hidrochaeris e Nasua nasua (4). Já as espécies encontradas no maior número de pontos amostrais também incluem Dasypus sp. (7 pontos) e Lontra longicaudis (4). As espécies com menor número de registros, e encontradas somente em um local de amostragem foram os primatas Cebus nigritus e Alouatta guariba clamitans, Tayassu pecari, Cuniculus paca, e os roedores de menor porte, como Cavia sp., e Kannnabateomys amblyonyx.

Tentar prever ou inventariar a diversidade biológica de uma determinada área, mesmo que de pequenas proporções, torna-se um desafio. Este fato torna-se preocupante, devido a acelerada perda de hábitats, e espécies, decorrentes das modificações ambientais causadas pelas atividades humanas, que acabam por alterar padrões ecológicos e vir a gerar a extinção das espécies mais sensíveis as alterações.

Para um inventariamento de todas as espécies de mamíferos ocorrentes em uma área é necessário o emprego de várias metodologias combinadas, além de longos períodos de amostragens, que podem levar anos ou até décadas (VOSS; EMMONS, 1996), dependendo do tamanho da área amostral. O presente trabalho utilizou-se de alguns destes métodos, e mesmo com um pequeno esforço amostral, resultou em uma lista da mastofauna de médio e grande porte local satisfatória, que ainda pode ser incrementada com maiores esforços na área e com a utilização de outros métodos, principalmente focando os mamíferos de pequeno porte, como roedores, marsupiais e morcegos.

A variedade de ambientes e principalmente o relativo bom estado de conservação da maioria das áreas amostradas, ainda proporciona condições para a sobrevivência de várias espécies de mamíferos, evidenciando a grande diversidade da mastofauna presente na área da APA como um todo.

Entre as 21 espécies registradas, várias são comuns e de ampla distribuição geográfica, comumente associadas a áreas abertas ou florestadas, mas tolerantes a certos distúrbios antrópicos (CÁCERES et al., 2007), caso de Cavia sp., Cerdocyon thous, Dasypus sp., Galictis cuja, Hidrochoerus hidrochaeris e Procyon cancrivorus.

Outras espécies registradas também são comuns em áreas florestadas que apresentem um grau maior de integridade e disponibilidade de recursos hídricos, caso que ocorre na APA Municipal do Rio Vermelho/ Humbold. Entre estes estão Lontra longicaudis, Philander frenatus, Mazama sp., além de Cebus nigritus Nasua nasua, Eira barbara e Leopardus wiedii, conhecido como gato-maracajá, e que aparentemente parece ser um dos felinos mais comuns na região, segundo relato de moradores.

Entre os animais de pequeno porte registrados, dois são aparentemente comuns, tanto que seus registros foram possíveis sem a utilização dos métodos apropriados para o inventário de pequenos mamíferos, que são esquilo Guerlinguetus aestuans e o rato-do-mato, Sooretamys angouya. O rato-da-taquara Kannabateomys amblyonyx, parece ser menos comum, mesmo que este use exclusivamente os taquarais presentes em grande quantidade nas encostas da região, de onde tira o seu principal alimento, que são os brotos-de-bambus (BONVICINO et al., 2008).

No entanto Alouatta guariba clamitans, Leopardus pardalis, Puma concolor, Tayassu pecari e Cuniculus paca, por pressões tanto de caça e principalmente pela diminuição de áreas florestadas no estado, foram relacionadas na recém criada lista das espécies da fauna ameaçada de extinção em Santa Catarina, disponível em www.ignis.org.br (IGNIS, 2010). Cabe ressaltar que esta lista já esta finalizada, restando que a mesma vire lei no ano de 2011.

Unindo-se os registros de outros trabalhos realizados na região, e animais de potencial ocorrência devido às suas distribuições geográficas, praticamente toda fauna de mamíferos terrestres ocorrentes no estado pode estar representada na APA Municipal do Rio Vermelho/Humbold, excluindo-se apenas algumas espécies especialistas em ambientes abertos, ou com distribuição mais meridional. Portanto, é quase certa a ocorrência de espécies mais raras e ameaçadas no estado, desde os morcegos Furipterus horrens (CR), Histiotus alienus (CR) e Diphylla ecaudata (em), os marsupiais Chironectes minimus (VU) e Lutreolina crassicaudata (VU), e outros de maior porte, como a anta, Tapirus terrestris (EN), com relatos recentes de ocorrência em áreas limítrofes, e a onça-pintada, Panthera onca (CR), com vários registros históricos na região, mas os relatos mais recentes dão conta da última onça morta na região na década de 90.

1.2.3.2.1. Principais ameaças à mastofauna

Entre as principais ameaças encontradas na região que afetam diretamente toda a mastofauna local, está a diminuição e fragmentação de hábitats, citada como a principal ameaça a mastofauna brasileira (COSTA et al., 2005). O desflorestamento na região é ocasionado por vários motivos, entre eles: cultivo de espécies exóticas como Pinus sp.; criação de campos para pastagens de bovinos e ovinos; a instalação de uma pequena central hidrelétrica; queimadas ocorridas em épocas de seca; e a destruição das matas ciliares.

Também ainda é comum a retirada ilegal da floresta do palmito Euterpe edulis, que é uma importante espécie da flora local, e serve como fonte de recursos para várias espécies. Há também a grande quantidade de taquarais ocorrentes principalmente nas encostas da região. A proliferação destes taquarais é favorecida pelo abandono de áreas antes cultivadas ou desmatadas, onde o solo ficou muito empobrecido e sem resquícios de banco de sementes, criando condições para que os taquarais possam se estabelecer (Chusquea spp. e Guadua spp.). Esta situação dificulta a entrada de outras espécies nestes locais, causando um sombreamento das árvores ao entorno e ocasionando o abafamento de algumas, causando sua morte e assim ampliando a área destes taquarais. A presença desta formação também não apresenta a tridimensionalidade presente nas florestas locais, o que pode não favorecer o uso destes ambientes pela maioria das espécies, apesar de algumas poucas poderem se beneficiar desta situação, caso do rato-da-taquara Kannabateomys amblyonyx.

Outra grande pressão sofrida pela mastofauna local é a caça, principalmente sobre as espécies de médio e grande porte com potencial cinegético, entre elas: Cuniculus paca (paca), Dasyprocta azarae (cutia), Tayassu pecari (queixada), Pecari tajacu (cateto), Tapirus terrestris (anta), Mazama spp. (cervos), Hidrochoerus hidrochoeris (capivara), Nasua nasua (quati), além dos macacos Alouatta guariba (bugio) e Cebus nigritus (macaco-prego).

Também há uma pressão de caça sobre as espécies que possivelmente podem causar ataques e perdas à rebanhos da região, caso do Puma concolor (puma), com relatos de alguns ataques recentes a ovelhas. Também as espécies de gatos-do-mato de menor porte como Leopardus wiedii (gato-maracajá), Leopardus pardalis (jaguatirica), Leopardus tigrinus (gato-do-mato-pequeno), Puma yagouaroundi (jaguarundi), que podem causar danos a viveiros de animais de menor porte, principalmente galinheiros. No intuito de manter seus rebanhos a salvo de ataques, muitos proprietários acabam por abater estes animais quando aparecem próximos de suas terras para evitar “possíveis” perdas futuras.

Também como em qualquer lugar onde há o contato de áreas florestadas com grande presença de animas e estradas, há o problema dos atropelamentos, principalmente ocorridos durante a noite, que acabam servindo como uma barreira semi-permeável para várias espécies.

Outras situações ocorrentes na APA que podem, e ou já causam danos a mastofauna local, são a poluição dos corpos d'água por agrotóxicos utilizados em plantações (ex: bananas), ou pelo derramamento de produtos químicos, combustíveis ou óleos vegetais, transportados pelos trilhos de trem e estradas que cortam a APA. Estes materiais, se derramados podem causar a contaminação dos corpos de água após acidentes como o tombamento de vagões e caminhões, com uma consequente mortandade de peixes, anfíbios e outros animais dependentes destes ambientes, afetando a cadeia trófica e assim indiretamente mamíferos que utilizam-se destes recursos, como por exemplo Lontra longicaudis (lontra).

A presença de criações de espécies exóticas como gados e ovelhas, também podem ser encaradas como uma ameaça para os mamíferos da região. Várias doenças destas podem ser transmitidas para as espécies nativas, que possivelmente não possuem defesas para o seu combate, causando mortandade de animais que tiverem contato com as espécies exóticas contaminadas. Há também a presença de espécies exóticas estabelecidas, que não necessitam do auxílio humano para sobreviverem, como os ratos exóticos Mus musculus (camundongo) e Rattus novergicus e Rattus rattus (ratazana), além de Lepus europaeus (lebre) (Reis et al., 2006). Pouco sabe-se sobre os impactos destas espécies sobre as nativas, mas com certeza ocasionam uma maior competição por recursos e espaço. Gatos e cachorros também causam danos à mastofauna local, principalmente aos animais de menor porte, por sua caça instintiva, podendo ser uma grande pressão para espécies mais lentas e terrestres, caso dos marsupiais do gênero Monodelphis spp.

Cabe ressaltar que durante os estudos do Plano de Manejo da APA Municipal do Rio Vermelho/ Humbold, ocorreu um descarrilhamento de vagões da empresa ALL (American Latina Logistic), próximo ao CEPA da UNIVILLE, região do rio Natal, despejando toneladas de grãos-de-milho no meio da floresta, além de possívelmente ter ocorrido derramamento de litros de combustível que encontravam-se nos vagões-máquina (Anexo 7, Foto 8). Se substâncias potencialmente poluidoras estivessem sendo carregadas naqueles vagões, seria inevitável um grande desastre ambiental, já que não há nenhum plano emergencial de controle para estes casos, o que é agravado pelo péssimo estado de manutenção dos trilhos na região, causa esta que precede grande parte dos acidentes com trens no Brasil.

E para finalizar, apesar dos mamíferos comporem um dos grupos de organismos mais bem conhecidos, pouquíssimos locais de floresta úmida neotropical foram adequadamente inventariados e quando existentes, as listas locais são geralmente incompletas, principalmente para os animais de pequeno porte como morcegos, roedores e marsupiais, fazendo com que estas lacunas de conhecimento dificultem iniciativas de conservação e manejo (COSTA et al., 2005).

1.2.3.4. Conclusões


O PM, é um documento técnico mediante o qual com fundamento nos objetivos da UC, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso de seus recursos naturais.

Aplicando-se as respectivas indicativas de manejo para a APA Municipal do Rio Vermelho/ Humbold, que devem ser congruentes com as futuras indicativas de manejo das APA'S adjacentes (APA Dona Francisca e APA do Quiriri), esta pode vir a cumprir perfeitamente o seu papel de mantenedora dos recursos hídricos para as cidades da região, além de também ter uma enorme importância na manutenção e preservação da biodiversidade local.

Além disso, é imprescindível a criação de parcerias em pesquisas e trabalhos com as universidades da região (UNIVILLE, UNERJ, FURB, UFSC, UFPR), que visem não só a mastofauna, mas também outros grupos de fauna e flora, criando um banco de dados unificados da APA, tornando-se uma ótima ferramenta para a sua gestão, indicando áreas ainda a serem investigadas (lacunas).