terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Tropeiros, Gaúchos, Cavalos, Carroções, Mulas...


O TROPEIRISMO, OS CARROÇÕES E SEUS EXÍMIOS CONDUTORES

Animais valorosos

Antes de narrar a vida dos tropeiros e agricultores, esses primeiros representantes do épico momento da colonização próximo do ano de 1850, é interessante apresentar outros fatores ou eventos que estão relativamente correlacionados a essas famílias.
Não poderíamos falar de tropeiros, estes exímios comerciantes, sem antes entendermos todo o contexto e apontarmos algumas situações interessantes para a compreensão da profissão, sua contribuição e formação cultural, e dos animais associados e utilizados.
O uso da tração animal é a própria justificativa do surgimento e consagração do tropeirismo. A importância da resistência desses valorosos animais reflete-se no sucesso do desenvolvimento da economia, que teve o alicerce na utilização dessas criaturas, que foram empregadas nas mais diversas atividades.
Os animais de maior influência e importância para o tropeirismo são: o boi, o cavalo, o jumento e a mula, sendo este último o motivo de maior apreciação devido à estreita relação de atividade econômica. O gado foi extremamente necessário e impulsionou a economia no Brasil, sendo fonte nutritiva e de riqueza em alimento. Também foi utilizado em trabalhos de campo e no aproveitamento de derivados e subprodutos. O cavalo de porte alto é relativamente “exigente” quanto à alimentação, sustenta elegância, sendo apropriado para cavalgar, embora tenha sido de fundamental importância na história do Brasil como um meio de transporte e serviço extremamente útil e necessário, seja pela tração de carroças, carroções, charretes, arados, arraste de toras e demais serviços ou utilidade relacionados ao campo ou cidades do passado. Está ainda presente nas mais variadas manifestações históricas do Brasil. Já o jumento ou burro apresenta alta resistência, tolerando a sede e a fome, e quando come se alimenta de tudo, até de espinhos. É de trote curto, com passos lentos, mas supera todos os terrenos, até mesmo os mais acidentados, com firmeza e persistência, sendo apropriado para o transporte, principalmente de mercadorias. O cruzamento destas duas espécies distintas, a égua com o burro (Equina e Asinina), gera a mula, animal híbrido, mas de qualidades inigualáveis. Apresenta porte, força e resistência numa performance espetacular, uma combinação perfeita para as atividades de trabalho mais austeras.

Tropas de Mulas

As mulas foram, sem dúvida, os animais mais importantes e de valor para o transporte de mercadorias, produtos e matérias-primas. Por longos períodos, ela impulsionou a economia em parte do Brasil, sendo integrante na prestação de serviços, essencial e altamente representativa no ciclo da cana-de-açúcar e na exploração de minérios, ouro e diamantes em Minas Gerais. Portanto, a própria comercialização desses muares também foi de grande importância, gerando valores consideráveis. No início, o país ainda não apresentava condições de fornecer tais animais para atender à alta demanda, deflagrada de forma tão repentina. A salvação foi o contrabando desses exemplares da Argentina. As primeiras mulas da Argentina foram introduzidas pelos jesuítas espanhóis, na cidade de Córdoba, local escolhido devido à ampla pastagem e fartura de água. A criação chegou a ser tão importante que tornou a cidade uma referência econômica no país. A mula foi um animal tão valorizado, em determinado período, que um indivíduo valia o preço de 30 cabeças de gado. Então as primeiras tropas de mulas passaram pela Colônia do Sacramento, fundada em 1680 pelos portugueses, às margens do Rio da Prata. A região, que atualmente faz parte do Uruguai, era muito disputada e oscilava seu poderio entre os espanhóis e portugueses que mantinham a rivalidade pela definição do território. Mas, independentemente de quem detivesse o comando, o local sempre fora palco de contrabandos. E, assim, o primeiro bando de mulas que atravessou a fronteira foi conduzido por Cristóvão Pereira de Abreu, em 1731, com uma tropa de
aproximadamente 800 indivíduos.
O Tratado de Tordesilhas dividia a América. E o Rio Grande do Sul pertenceu, por longo período, ao domínio espanhol, o que justifica as similaridades das atividades econômicas, e até mesmo culturais, desse estado com os países vizinhos: Argentina, Uruguai e Paraguai. Mas o tropeirismo “foi essa atividade dinâmica na Bacia do Prata queestimulou o governo português a intervir na região. Mesmo antes da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal atuava no sentido de incorporar a região a seus domínios, interessado em particular no comércio local.” (RECCO, 2007) A marca histórica do tropeirismo no Brasil ficou realmente consagrada em 1731 com a primeira viagem e a difícil tarefa de fazer a trilha e improvisar passagens, que por consequência formaram o caminho do Viamão, ligando o Rio Grande do Sul até Sorocaba, em São Paulo. A “aventura” acabou impulsionando o tropeirismo, essa atividade econômica que foi referência do século XVIII e que ainda se estendeu até o século XIX. Os tropeiros provindos de São Paulo são definidos por Biriva ou Beriva, Beriba ou ainda Biriba. Andavam em mulas e se diferenciavam pelo sotaque diverso do da fronteira ou da região baixa do Estado de São Paulo. Como curiosidade, deixo a letra da música de Léo Almeida, intitulada “Tropeiros”, para apreciação e como forma de interpretação da vida destes tropeiros.

Tropeiros

“O romantismo rendeu versos ao gaudério e a história decantou 
bandeirantes mas foram eles, os birivas, que fizeram 
a integração destes povoados tão distantes”

João Miguel era tropeiro gastou a vida na estrada
Levando mulada chucra do Rio Grande a Sorocaba
Aprendeu nas arribadas que a sorte a gente é que faz
Um biriva de vergonha não deixa mula pra trás

O facão sorocabano levado sem aparato
O chapéu de abas largas as botas de cano alto
O trajar era modesto, mas a mirada era altiva
Subindo ou descendo a serra João Miguel era biriva

(Bota n’água esta madrinha, madrinheiro
Que a tropa vai seguindo enfileirada
Vou na balsa segurando o meu cargueiro
Com as bruacas de paçoca bem socada)

Maria murchou na vida de casa e cabo de enxada
Com um olho nas crianças e o outro fitando a estrada
João Miguel virou lembrança na cruz à beira da trilha
E Maria foi plantada lá no alto da coxilha

João Miguel era tropeiro, seus netos tropeiros são
De esperanças mal domadas que desgarrando se vão
A esperança madrinha segue na frente entonada
E seu cargueiro de sonhos traz a bruaca lotada

Rebanhos de Gado

Outra rota de tropeiros está relacionada à condução de gado. Partia de um outro traçado, iniciando em São Borja, vinculado a Vacaria, entrando novamente no caminho da tropa das mulas. “A palavra “tropeiro” deriva de tropa, numa referência ao conjunto de homens que transportavam gado e mercadoria no Brasil colônia. O termo tem sido usado para designar principalmente o transporte de gado da região do Rio Grande do Sul até os mercados de Minas Gerais, posteriormente São Paulo e Rio de Janeiro.” (RECCO,2007).
O gado, em parte, foi introduzido no início do século XVII pelos Padres Jesuítas, que soltavam o animal nas pradarias na intenção de sustentar os índios. Com o desmantelamento das missões jesuíticas, os espanhóis deixaram para o Rio Grande este legado econômico, com uma quantia de aproximadamente 2.000.000 (dois milhões) de cabeças de gado dispersos pelos pampas, sendo, portanto, selvagens ou também ditos de chimarrão ou orelhano. As primeiras boiadas criadas no Rio Grande do Sul surgiram apenas em 1732, período em que também teve início a criação de mulas no estado. O tropeirismo tomou forma, e homens pilchados comercializavam rebanhos do Rio Grande do Sul, levados e vendidos em São Paulo. O tropeirismo certamente foi uma das atividades de efeito social e econômico mais representativas, devendo ser respeitado porque é o ícone de progresso e distribuição de valores culturais, referenciados num movimento que marcou a América do Sul. Teve início em 1731 e finalizou somente em 1959, deixando um rastro de saudades e prosperidade. 


Os Tropeiros

Os primeiros tropeiros do país foram de origem paulista, vicentina, os de origem portuguesa. O tropeirismo durou mais de 200 anos e logicamente despertou outros condutores de tropas pelo sul do país, incorporando sobremaneira a constituição de “gaúchos” e agora também dos Birivas, chamados ainda de beriva, beriba ou biriba, que são os descendentes de bandeirantes ou dos tropeiros paulistas. Os tropeiros surgem no Rio Grande do Sul e são parte da cultura, tendo evidente influência na formação do gaúcho, embora apresentem algumas características distintas justificadas pela própria jornada de trabalho. “No entanto podemos dizer que ao longo do século XVI e início do XVII, o Rio Grande do Sul era “terra de ninguém”, habitada principalmente por índios guaranis, e por onde passavam eventualmente alguns bandeirantes em busca de índios para apresar e escravizar. Esse quadro foi modificado com a chegada de padres jesuítas.” (RECCO, 2007). Mas no Rio Grande do Sul, a presença espanhola e portuguesa já se estendia desde 1501, embora não houvessem desembarcado na costa pelas terríveis condições do litoral e a falta de um porto natural. A partir de 1626 começa a aparecer o primeiro padre jesuíta. E no ano de “1680 finalmente Portugal resolve marcar presença na região Sul para enfrentar o expansionismo espanhol: Dom Manoel Lobofunda a Colônia do Santíssimo Sacramento, que vai ser decisiva para o surgimento do gaúcho.” (FAGUNDES, 1994) 
As tropeadas uniram o sul do país e distribuíram pelos caminhos tortuosos sua cultura, usos e costumes, como, por exemplo, a apresentação de sua culinária, com o emprego de diferentes farinhas, sendo principalmente a de milho e mandioca, iguarias que complementavam o prato: virado de feijão, arroz e carne-seca, café, fubá, farofa e couve picada e, ainda, conforme a ocasião, o pinhão. E de bebidas alcoólicas bebiam a cachaça, mas apenas em ocasiões especiais. Os alimentos são, em sua maioria, secos, para assim permanecerem conservados nas longas viagens. Em pousadas mais prolongadas também faziam o assado de carnes e pratos mais sofisticados. O traje tropeiro era relativamente variado, ocorrendo algumas alterações, justificadas pelas distintas origens, mas de forma geral usava-se o chapéu de abas largas, as botas de cano alto, calças folgadas e camisas de algodão grosso, guaiaca para levar o dinheiro, poncho, facão e uma arma de fogo. Os tropeiros gaúchos se diferenciavam pelo uso de chapéu de abas mais estreitas e lenço.
O tropeiro apresentava algumas definições interessantes para sua tropa. A mula mais velha ou ainda uma égua portava um cincerro e se colocava mais à frente do bando, assumindo postura de respeito ao grupo e atribuindo posição de guia para a mulada, sendo muito importante para conduzir o rebanho nos tortuosos caminhos, nos locais mais estreitos, nos campos e, principalmente, na travessia da água. Os tropeiros a chamavam de “madrinha”. O palavreado tropeiro também traz outras expressões interessantes.As bolsas de couro utilizadas para transporte eram chamadas de “bruaca” e os apetrechos que cada animal apresentava eram conhecidos como “malotagem”, que eram suportados por “canguaia” ou “cangalha”. Paraguardar a roupa usavam-se as “canastras”. O pouso em pasto aberto era chamado de “encosto” e, quando existia algum abrigo, era o “rancho”. No grupo de tropeiros havia divisão de trabalhos, cada qual com suas responsabilidades. A tropa era comandada pelo dono, que tinha o apoio de um ou mais capatazes. Também existiam os peões ou camaradas, o madrinheiro (conduzia uma égua-madrinha na frente da tropa atuando como guia, encorajando a mulada a seguir o caminho, seja por terra, água ou encostas perigosas), o batedor (andava mais na frente verificando o caminho, levava as guias para passagem nos registros e organizava o percurso da tropa pelos povoados), o contador (contava a tropa sempre que necessário, garantindo a totalidade dos animais) e o cozinheiro, certamente de qualidades indispensáveis. Uma pessoa experiente do grupo era escolhida para resgatar alguma mula que poderia sair da tropa, chamada de “as arribadas”. A captura da mula poderia durar dias, mas o sucesso no regresso era sustentado com orgulho e dever cumprido, já o fracasso era a vergonha.
O tropeirismo é um alicerce de respeito, não somente pela influência que proporcionou com as viagens no sul do País, mas também porque descambou muitos dos integrantes pelos caminhos e rotas, que assim se fixaram e formaram algumas cidades. Mesmo com toda a importância que o tropeirismo representou, por longo período, seu fim também chegou. A atividade foi se esgotando com o aparecimento das estradas de ferro, que fizeram com que os animais de carga perdessem sua importância econômica.

Gaúchos sem Fronteiras

O significado da palavra gaúcho traz inúmeras interpretações, mas de forma geral e gentílica, representa um “povo” nômade, vaqueano, peão campeiro, tropeiro e cantor de sua terra, trazendo expressões culturais na revelação da dança, gastronomia, músicas etc. “Os primeiros camponeses a serem chamados de gaúchos foram os gaudérios, mestiços, índios, peões, contrabandistas, caçadores de gado chimarrão, teatinos.” (LAMBERTY, 1992)
A origem do nome gaúcho vem por intermédio de diferentes influências de línguas e etnias. Mas também está relacionada à definição do árabe persa de raiz indo-europeia tal qual descrita por Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes – Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, que complementam a posição de Lamberty:“... uma profunda ligação das palavras de origem com gado, rebanhos, pastagens, tropeiros, nômades ou camponeses...”. Mas a referência marcada da palavra “gaúcho” é genuinamente a apresentação de um povo que, por fim, formou uma sociedade comunal, sendo atualmente uma denominação do morador do Rio Grande do Sul ou, de forma mais audaz, do sul do país, na representação dos descendentes ou dos apreciadores do tradicionalismo gaúcho. O Rio Grande do Sul é fruto da miscigenação de índios, espanhóis, bandeirantes, açorianos, negros, alemães e italianos, constituindo o próprio gaúcho pela representação de uma mescla de etnias. Ainda assim podemos também dizer que um alemão, um italiano, um açoriano ou alguém de qualquer outra origem pode ser considerado como “gaúcho”, pois este não define uma etnia. A cultura deste povo é cada vez mais aceita no meio social e firmou-se nos Centros de Tradições Gaúchas, movimento que teve início em 1948, sendo preservado pelos filhos rio-grandenses e até mesmo por moradores de outros estados que sentem orgulho e respeito por esta cultura essencialmente brasileira, sendo gaúchos de coração. O tradicionalismo se irradiou principalmente porque o gaúcho não ficou restrito em seu estado e, superando os limites geográficos, alcançou outras localidades do Brasil, influenciando as cidades por onde passou, ou ainda, nas quais se fixou.

Carroções e Carroças

A referência de animais de carga também envolve o emprego com êxito na utilização de mulas na tração dos carroções, culminando com o surgimento de estradas, embora em grande parte as carroças ou ainda os carroções também utilizassem a força da tração dos cavalos ou do gado, situação que no Sul ocorreu principalmente nos séculos XVIII e XIX. Essa atividade foi imprescindível para o desenvolvimento econômico com o transporte de diferentes mercadorias, algumas essenciais para suprir as necessidades básicas e para completar as vendas do comércio de
mercearias de secos e molhados, ou ainda, para entregar matéria-prima para ervateiras ou serrarias.
Em muitas situações e até mesmo nas mais corriqueiras, as carroças eram movidas a tração de apenas dois cavalos ou ainda quatro, sendo, neste último caso, dois de rédea e dois de coice. Mas um carroção que exigia maior força era composto por oito animais, enfileirados em duas linhas, paralelas ao eixo do carroção, sendo dois animais ditos de coice posicionados atrás e centralmente, dois de rédea posicionados frontalmente e no centro, e quatro laterais ditos de corrente sendo, portanto, dois de cada lado. Curiosamente cada animal recebia um nome, como descrito por Arnoldo M. Bach no livro “Carroções Outras Histórias”: “O barulho da guizeiras penduradas nos
pescoços de Redomão, Palermo, Jabuticaba, Pitanga, Jabuti, Serelepe, Assombração e Faroleiro quebravam o silêncio da solitária estrada...” ou ainda “Os muares do carroção de João Mayer atendiam por Mico, Grilo, Sanhaço, Arapuca, Perdiz, Serelepe, Pernilongo e Preta. Os do Carroção
de Francisco: do cabeçalho, Beleza e Lontra; da rédea, Mulata e Tesoura; da corrente, Negrita, Chata, Crocodilo e Guarani”. (BACH, 2005). Os carroções e carroças faziam o transporte da erva-mate, ainda em galhos, produto da colheita, ou então já beneficiada e armazenada em barricas.
A erva-mate foi a pungente marca de ordem econômica e a principal responsável pela Emancipação Política do Paraná no século XIX, chegando a representar 85% da economia da província. De igual forma, e tão significativa quanto, atingiu a mesma importância para o desenvolvimento de outros estados sulinos. Mas muitos carroções também foram conduzidos pelo gado. Especialmente no Rio Grande do Sul, os carroções se consagraram no emprego de três ou quatro juntas de bois. Mesmo pela quantidade de animais utilizados para força e tração, as subidas muito íngremes exigiam um esforço máximo dos bois de coice, que ficavam de joelhos para suportar
o peso. Particularmente em nossa região, as carroças eram muito comuns para o transporte de mercadorias e produtos de serviços ou ainda para deslocamento de pessoas, passeios e outros compromissos.
Existem histórias muito interessantes do emprego de carroções/carroças,
conforme contadas no ano de 2000 pelo Sr. Pedro Cipra, de Rio Negrinho. “Há muitos anos as carroças eram muito comuns. Era costume terem em sua lateral a fixação de cochos para os cavalos comerem o milho, mas quando os carroceiros paravam próximo de uma residência para alimentar os cavalos, não raramente pulavam uma ou mais galinhas dentro dos cochos. O carroceiro, percebendo os “intrusos”, disfarçava e fechava a tampa do cocho, seguindo a viagem faceiramente.” 
Outro fato interessante ocorria quando da introdução do caminhão
na cidade de Rio Negrinho. “Os caminhões surgiram na região, estesalém de serem mais rápidos, também eram mais fortes e transportavam uma quantidade maior, competindo com o frete. Numa certa estrada de chão, de alto declive seguido de forte aclive, os carroceiros jogavam água na estrada, a fim de impedir a passagem dos caminhões que então patinavam e não conseguiam subir. Não tendo outra opção, esperavam a estrada secar. Assim os carroceiros garantiam uma vantagem de viagem e a preferência pelo frete”.

Fonte: Livro "PIONEIROS" Marcelo Hübel

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

GENEALOGIA O Início da História - PIONEIROS


GENEALOGIA

O Início da História

Imagino que o fortalecimento da humanidade contemporânea vem, em parte, pela contribuição e somatório daqueles que buscam pelo passado e pelas pessoas que atualmente representamos. São pesquisadores, indivíduos de bem e de respeito, preocupados em entender uma relação do antes e do agora, na compreensão da própria existência. São estas as primeiras pessoas que fogem do egocentrismo e entendem a socialização, no sentido de valor igualitário. Resgatar a própria identidade no envolvimento da reconstituição do passado, de outras gerações, é compreender a abrangência de outras épocas e situações diferentes que no pensamento beiram a própria filosofia do existir. A reconstituição da genealogia vem sendo uma atividade crescente nos últimos anos, desempenhada não apenas pelos historiadores, mas em grande maioria, por leigos que procuram pelas origens de suas famílias. 


Ao montar a genealogia não se deve cair na tentação da valorização extrema e particular do próprio sobrenome, à qual somos eminentemente tendenciosos. Supondo, ainda, que não tivéssemos esse desprendimento de visão, poderíamos fazer uma comparação: devemos considerar que temos 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós, 32 tetravós, 64 pentavós, e assim sucessivamente, ficando, portanto, evidente a ampla ascendência. Não somos um nome, não nos revelamos na importância de uma única “linhagem”, mesmo que significativa, mas somos integrantes de reações complexas, ou, diria ainda, sínteses relativamente elaboradas.

É importante diagnosticar que nossa formação é uma combinação de genes que perdura dos tempos mais longínquos, milhões de anos, derivando de um ancestral, e que neste regresso por gerações entendamos que a igualdade do DNA nos mostra evidentemente a similaridade entre os povos dos diferentes continentes. Numa amplitude maior, imaginando a própria origem, nossa existência se justifica num único entender. Somos apenas um ser e sem distinções. Quem dera se as pessoas compreendessem essa situação real e não perdurasse o racismo, este espectro degenerativo da sociedade.

No estudo da genealogia se compreende que a evolução, no sentido biológico, é definida como mudança, enquanto a evolução, para a filosofia, é a definição de melhoria, mas ambas as ciências se misturam e nos direcionam a entender essas coadjuvantes frequentemente vinculadas na história. Portanto, quando estudamos a genealogia também nos deparamos com outras situações que não somente de interpretação biológica. Há um resgate da integração com a história e a percepção de que as famílias não podem ser observadas separadamente, mas são importantes quando tratadas no somatório, na evidência de diferentes manifestações e expressões culturais, tão ricas e importantes, que são parte da formação da sociedade, pujante na formação sólida da civilização. Esse entendimento realmente é evidente quando feita a pesquisa da genealogia, sendo um regresso para o passado que deve ter importância não somente na busca de figuras históricas, nobres ou de ilustres antepassados, mastambém daqueles que passaram à margem da “Grande História”. São as pessoas simples, os antepassados mais humildes, que se tornam grandes personagens e de relevante mérito. E, repentinamente, nos vêm muitos questionamentos. Afinal, quem eram, como viviam, o que faziam, quais eram suas pretensões? A procura constante de familiares em registros guardados em casas
paroquiais, arquivos históricos e cartórios nos traz revelações surpreendentes. A empolgação cresce ainda mais ao conseguirmos resgatar uma foto e, intuitivamente, buscar naquela imagem características hereditárias, traços étnicos. E, conforme se amplia a pesquisa, abre-se um leque ainda maior de possibilidades de investigação: a procura de pertences pessoais, casos de gêmeos, doenças cromossômicas e justificativas de falecimento. Mas a pesquisa não envolve somente a hereditariedade, fotos, nomes ou documentos. A cada passo ocorre um envolvimento mais familiar, direcionando a atenção para a descoberta de um pouco mais da nossa história individual. É nessa oportunidade que é desvendado um mundo completamente diferente. A curiosidade não deve residir apenas no “onde nasceram” e “como morreram” nossos antepassados, mas nos usos e costumes únicos de um tempo que não mais retornará. Cada povo vive seu cotidiano com um jeito próprio de ser e interagir. Acontecem mudanças significativas no dia a dia das pessoas. Não é possível dizer até que ponto as alterações ocorrem para uma situação de melhoria ou de estagnação e perda de valores e conceitos. Somos coadjuvantes da transformação, respondemos por estímulos e sensações do desenvolvimento intelectual e comportamental. Claramente diferenciamos o passado do presente, ou deveríamos chamá-lo de futuro, pelo avanço da tecnologia, da ciência, da melhoria
da qualidade de vida. A busca contínua pelas condições adequadas de equilíbrio econômico, social e ambiental gera transformações, separando o atual do passado. Mas o propósito de caminhar para o melhor
deve ser alcançado com o estudo das situações vividas anteriormente,do quanto podemos aproveitar o passado, tanto observando seus erros como seus grandes feitos e, assim, embasar o bem-estar atual com atitudes coerentes. Não é possível nos furtarmos do passado. A história é um campo vasto de conhecimento e o somatório desse aprendizado pode influir diretamente no potencial de cada pessoa.

A principal motivação de todas as espécies é a sucessiva transmissão do DNA, ou seja, garantir a existência de outra geração pela continuidade da vida. Na espécie humana, mesmo quem não tem condições de ter filhos, por razões pessoais ou biológicas, intuitivamente cuida e zela pelos familiares mais próximos como forma de garantir a perpetuidade dos genes da família. Mas a raça humana diferencia-se das outras espécies
por motivações que vão além da transmissão de sua carga genética. Ao longo de nossa história perfizemos um caminho trilhado por séculos de transformações sociais e culturais, com alterações de usos e costumes
em proporções fantásticas. Seria um descaso com a história resguardar
o conhecimento adquirido para satisfação pessoal. Alguns dos maiores
prazeres de nossa existência estão diretamente relacionados com o gosto
do redescobrimento.

Assim, deixo neste livro a representação de uma época que se inicia com os pioneiros do Planalto Norte Catarinense e Sudeste do Paraná, revelando situações pitorescas de um tempo distante e mostrando um pouco do cotidiano de pessoas que já passaram, mas que deixaram para a nossa existência prova de seu esforço para o progresso da terra na qual escolheram viver.

Livro: PIONEIROS 2012 Marcelo Hübel