O
ano de 2013 nos separa em 120 anos do
início da Revolução
Federalista, que durou por alguns meses, deixando rastros desoladores de dores, perdas e marcas para a
história.
Nesta postagem, que é
parte do livro “Pioneiros”, destaco a
Revolução Federalista do início ao fim.
É um resumo do movimento em nível nacional, e do envolvimento
dos habitantes de São Bento.
Pela primeira vez está sendo transcrito partes do diário do
Dr. Felippe Maria Wolff, apresentando o cenário sangrento de alguns
dias de guerra na cidade da Lapa.
As fotos com legenda são um complemento do texto, para formação do imaginário, retratando a época.
Mais um momento onde a “Grande História” envolve os
pioneiros de nossa terra.
REVOLUÇÃO FEDERALISTA 1893
Marechal Deodoro da Fonseca, então presidente do Brasil, passando por difícil doença, renuncia. O
vice-presidente, militar Marechal Floriano Peixoto, assume. Tinha em suas mão
uma árdua tarefa, pois o país passava por terrível crise, a imprensa o atacava
constantemente, o descontentamento da população era manifestada em todas
regiões do país. O presidente do senado, o federalista Prudente de Moraes é bem
visto para assumir a presidência. As
divergências entre os partidos Republicados e Federalistas crescem chegando ao
extremo, e se instaura o estado de anarquia absoluta.
Livro "PIONEIROS" - Autor: Marcelo Hübel |
Duas facções separaram-se em campos de batalha
diferentes, irmãos de origem e sangue que digladiavam-se por ideais opostos. Os
gaúchos que seguiam o federalista e ex-liberal Gaspar Silveira Martins se
opunham ao governo republicano Júlio de Castilhos, e se revoltaram, liderados
pelo general João Nunes da Silva Tavares, o qual oficializou a revolta através
de um manifesto a nação brasileira de 15 de março de 1893. Apesar do movimento
já se esboçar desde finais de l892.
“Do lado dos
revolucionários tomaram parte na Revolução de 93 muitos uruguaios, alguns dos
quais do Departamento de San José, os chamados “Maragatos”. Aos poucos este
termo foi sendo usado para designar todos os revolucionários que usavam como o
símbolo o lenço vermelho ao pescoço.” (FAGUNDES, 1994).
Do outro lado eram os legalistas, governistas,
alcunhados de "chimangos" ou "pica-paus" e emergiam mais
comumentemente o lenço branco ou ainda o verde. Também utilizavam a farda e
quepe azul este com uma borda vermelha, que lhes deu o apelido de “pica-pau”.
Dentre os
"maragatos" mais importantes estava o guerrilheiro "Napoleão dos
Pampas", o "General da Liberdade", que foi regido pelos
historiadores como o maior e mais carismático general sul-americano, um
verdadeiro herói, Gumercindo Saraiva, que seguia sua ideologia com outros
maragatos: Custódio de Melo; Aparício Saraiva; Laurentino Pinto Filho e
Joseraphin de Castilhos o temido “Juca Tigre”.
“Perseguidos
pela Divisão do Norte, composta por republicanos, os Maragatos deixaram o solo
gaúcho para, articulados com a Marinha, formarem um Destêrro (atual
Florianópolis) um governo provisório.” (BORGES DA SILVEIRA, et al 2006). O
governo do estado de Santa Catarina que então já havia se desentendido com o
Marechal Floriano, apóia os federalistas, e a capital quando recebe os
revolucionários os recebe com festa.
Em Joinville os revolucionários recebem apoio
de Abdon Batista que controlava o executivo municipal. Mas os relatos de Alexandre Döhler,
integrante do Bombeiros Voluntários, e seu comandante Felix Heinzelmann mostram
descontentamento com a posição que a cidade tomava, embora as ordens de Abdon,
se restringiam em zelar pela cidade e instituir a ordem. A entrada das tropas
ocorre pela água de navios e vapores apreendidos. A primeira intenção é cortar
a comunicação interrompendo a ligação teleférica principalmente com o Rio de
Janeiro. Mas os dias em que as diversas tropas revolucionárias passaram por
Joinville causaram reações e impressões das mais diversas, figurando entre o
medo da ação dos revoltosos frente ao saque, ordens de recrutamento, mortes. Ma
também outros demonstravam uma reação festiva e solidária. A primeira tropa que
entrou na cidade de Joinville no dia 1º de novembro de 1893 foi a de Piragibe
muito bem recebida por Abdon Baptista e pelos moradores da cidade que vinham
ver o espetáculo militar. “Os revolucionários libertaram vários civis
prisioneiros que tinham recrutado. Nesse Ínterim, parte da tropa se espalha na
cidade e requisitava cavalos (FICKER, 1973).
A segunda tropa entrou
no dia 23 do mesmo mês ao comando de Serafim de Castilhos, o Juca Tigre, terrível
destemido, que ficou conhecido como o impiedoso degolador. Chegaram em
Joinville de bote, e pelos combates que já passaram, eram representações
deploráveis. Conforme relato de Félix Heinzelmann “Que aspecto deprimente
oferecia esta gente; não pareciam gente civilizada, mas antes, selvagens. Uns
40 não podiam sair das embarcações por estarem totalmente nus.” “Os outros,
rasgados e maltrapilhos, um pedaço de pano envolvendo o tronco, formando uma
espécie de bombacha.” “No acompanhamento uma multidão de mulheres maltrapilhas,
sujas, e seus filhos. E estes gaúchos do interior do Uruguai, pois a maioria
falava o espanhol...”. No começo de dezembro chega a 3ª tropa agora com o
General Gumercindo e o irmão Aparício Saraiva, mas neste primeiro instante com
apenas 500 homens. No dia 26 de janeiro de 1894 o General Gumercindo parte em
direção ao Paraná, ficando para traz a
lembrança de dias duvidosos pela segurança da cidade e a perda dos bens
materiais daqueles moradores, alguns ficaram sem suas carroças, bois cavalos.
Foto no livro Pioneiros: O terceiro homem da esquerda para direita, de longas
barbas é o destemido “Juca Tigre”. No centro o famoso degolador Adão, com um
prisioneiro. Tropa que seguia em direção ao planalto.(AHSBS)
“A 13 de outubro, o Dr Abdon Baptista, que se
encontrava em São Francisco, anunciava a chegada de 51 homens, armados com uma
“Mitrailleuse”, a bordo do navio “Pallas”, vindos de Desterro para proteger
Joinville contra a invasão de forças legais armadas e procedentes de Curitiba.
Tratava-se da tropa do general Argolo que, por esse tempo, vinha chegando de
Curitiba pelo caminho de Rio Negro, seguindo então pela Estrada Dona Francisca
rumo a São Bento, onde chegou a 11 de novembro (FICKER, 1973). Os Maragatos
tendo em frente o General Piragibe chegam em Joinville. “Os revolucionários
libertaram vários civis prisioneiros que tinham recrutado. Nesse ínterim, parte
da tropa se espalhava na cidade e requisitava cavalos. (FICKER, 1973).
“São Bento estava
localizado numa das grandes vias de penetração para o interior e não demorou
que se ouvisse falar da aproximação de tropas, ora legais, ora
revolucionarias.(ZIPPPERER, 1954).
O General Piragibe deixa Joinville com aproximadamente 300
homens e segue para o Planalto Norte e conseqüentemente São Bento.
“Enquanto esses acontecimentos se iam
desenrolando em Joinville, São Bento foi pela primeira vez ocupada por forças,
quando o General Argolo chegou com a tropas legais de Curitiba. Alarmando a
população, que resolvera defender-se de possíveis saques a pilhagens, reuniram-se
em Lençol os homens válidos da Colônia e armaram-se como puderam, dispostos a
tudo”(FICKER, 1973)
“Com a chegada da Coluna
Argolo, a 6 de novembro de 1893, ao objetivo, Wolff apresentou-se a Lauro
Muller, que o indicou ao comandante como fiel correligionário. Argolo nomeou-o
autoridade absoluta em São Bento e instaurou em sua casa o governo legalista de
Santa Catarina e o Quartel General de suas forças”(VASCONCELLOS, 1991).
Foto no livro Pioneiros. Parte da tropa do
General Argolo. No segundo plano da direita para esquerda, de óculos e bigode o
Dr. Felippe Maria Wolff. (AHSBS)
Dr. Felippe Maria Wolff (AHSBS) |
A rápida retirada é
evidentemente necessária, tendo por necessidade a guarda da república o General
Argolo que estava indo de encontro a tropa Piragibe, pela Estrada Dona
Francisca, enquanto a tropa Maragata descia a serra do Gatz em Campo Alegre, desfaz
o possível confronto porque recebe a
informação de outra frente de revolucionários liderados por Gumercindo Saraiva marchavam em direção a
Lapa.
“Com as quedas de
Tijucas e Paranaguá, no Paraná, seguindo a tomada sem resistência de Curitiba,
a Lapa passava a ser o único obstáculo para as forças contrárias a República.”
(BORGES DA SILVEIRA, et al 2006), que marchavam confiantes na direção do Rio de
Janeiro, a fim de derrubar o Marechal Floriano Peixoto.
Enquanto a população
segue os conselhos do Dr. Wolff que se escondem e protegem a criação da melhor
forma. Entraram as tropas revolucionárias em São Bento. “Uma vez São Bento em
mãos dos revolucionários, estes imediatamente nomearam autoridades em seus
simpatizantes. Não tardaram, porém, as violências e coações. O “Batalhão
Patriótico” ao qual “voluntariamente” muitos habitantes tiveram que aderir, bem
como por seus bens a disposição do ‘Governo Federalista” e “Libertador do
Brasil”, requisitou sem quaisquer formalidades cavalos, gado, viaturas e muitas
vezes os próprios proprietários eram obrigados a prestar seus serviços como
condutores.” (FICKER, 1973). Os
revolucionários, estes imediatamente nomearam autoridade em seus simpatizantes.
Não tardaram, porém, as violências e coações.
Segundo Félix
Heinzelmann os mais destacados partidários do Governo fugiram junto com suas
famílias. Das casa de um deles, o doutor Wolff, Piragibe recolheu tudo o que
havia de valioso, e junto também, os medicamentos da farmácia. A mobília e
também o prelo de uma pequena tipografia foram destruídos. De São Bento,
Piragibe com sua força aumentada por
cerca de 250 homens da Guarda Nacional, formada localmente pelo
Presidente da Câmara federalista e composta de nativos e poloneses, se destacou até Rio Negro, onde, inesperadamente, na
manhã seguinte foi recebido com bala de canhão.”(SILVA, 2002).
Os revoltosos, Maragatos, batiam nas casas e os
homens jovens eram forçados a acompanhar a revolução. Entretanto, nem todos eram
simpatizantes, e muitos não tinham o conhecimento da causa, ou ainda o desejo
de se envolver com o conflito. Virgínio Soares Fragoso já era bastante idoso e
provavelmente não seria requisitado para a revolução, mas ficava escondido na
intenção de ajudar no fornecimento de alimento, auxiliando assim seus parentes.
Eles ficavam resguardados numa pequena ilha, formada pelo Rio Negro.
Também ocultavam a criação, evitando que os
revolucionários matassem o gado para saciar a fome, e levavam os cavalos para
serem usados na revolução.
As noites no acampamento tornavam-se muito frias
porque não podiam acender o fogo, a fumaça poderia revelar a localização do
esconderijo.
Francisca ficava sozinha em casa, aflita pela
movimentação dos revolucionários, mas em muitas noites sua cunhada lhe fazia
companhia. Mesmo assim foram muitas noites mal dormidas.
Mas é certo que nem
todos tiveram a mesma sorte, tendo muitos pertences perdidos. Foram poucos os
que recuperavam, tendo maior sorte os que acompanhavam rumo a Lapa. Confirmamos
também este drama no Livro São Bento do Passado. “O meu irmão Antonio ficou sem
cavalo algum, mas, erradamente, permaneceu em casa. Encontrei-o, um dia,
chorando, no meio de sua grande família, com dezoito filhos vivos. Os cavalos,
que se foram, eram toda a sua fortuna”. (ZIPPERER, 1954).
Esconder a criação, bois
e cavalos, ou ainda se afugentar no mato não é nenhuma situação embaraçosa ou de
vergonha, haja vista as perdas que certamente teriam, tanto pelos bens materiais, bem
como pela própria vida. As forças federalistas estavam
dispostas a tudo, com homens bons, é
claro, mas outros sem dignidade. De
exemplo podemos transcrever o comentário de Félix Heinzelmann “A um italiano,
que por inimigos foram denunciados como espião, foi furado o pescoço e passado
uma corda, pela qual foi arrastado por um cavalo por um grande trecho. Depois,
cortaram-lhe o nariz e as orelhas, mãos e pés e, por fim serraram-lhe o pescoço
com ripas de bambu. Dois blumenauenses que foram apanhados no mato, foram
torturados desumanamente e depois jogados na fogueira onde foram queimados
lentamente. Tais atrocidades mais tarde se repetiam seguidamente no Paraná,
atingindo gente inocente, soldados e oficiais aprisionados.” (SILVA, 2002)
Na entrada dos
revoltosos na cidade de São Bento, ocorre a única opção os colonos que tentavam
se proteger com o que dispunham em suas mãos: armas de caça, machado, foice,
etc. Estavam muito confiantes, pois anteriormente fizeram treinamentos e
estavam sob o comando de Goll. A “recepção” conturbada e de postura estranha,
fez parecer as tropas revolucionarias atitudes suspeitas e de uma ação mal
interpretada causada por Goll e sua espada. Deflagra-se a reação dos revoltosos
que entre os tiros que desferem, pelo menos um disparo contra o aglomerado de
civis atinge um morador de nome Koehler, que nada tinha a haver com os
acontecimentos.
A difícil comunicação
poderia gerar maiores transtornos. Então os revolucionários foram recebidos
pelo João Filgueiras de Camargo. “Deve-se ao coronel Filgueiras, chefe federalista
em nosso Município, que aquele dia trágico não fosse de conseqüências ainda
mais funestas. Explicou ao comandante da coluna revolucionária, que aquela
formação de homens aramados não tinha outra finalidade, senão a de proteger São
Bento contra os bandoleiros, que despontavam na esteira do movimento sedicioso
e nada tinha a ver com um outro partido em luta”. Qual não teria sido o fim
daquele dia inglório, se o coronel Filgueiras não nos tivesse tomado sob guarda
e proteção”. (ZIPPERER, 1954).
“No
entanto, o grande símbolo republicano de São Bento foi, sem a menor dúvida,
João Filgueiras de Camargo, uma figura incomum de homem lutador, destemido, uma
espécie de Rodrigo Cambrará da saga de Érico Verissimo, sempre pronto para dar
sua vida por seus ideais. Na Revolução Federalista de 1893/94, optou pelos
federalistas. Organizou, com seu prestígio e sua capacidade de liderança, um
batalhão que comandou no cerco da Lapa, onde impressionou pela sua bravura. Com
a vitória da ditadura do Marechal Floriano, foi acusado de anti-republicano,
logo ele, que fora pioneiro do republicanismo em São Bento. (VASCONCELLOS,
1991).
Teatro São João. Lapa 07/2007. Na revolução utilizado como enfermaria(Marcelo Hübel) |
Entre os
federalistas temos um destaque importante de um “filho sãobentense”. O Dr.
Felippe Maria Wolff teve fundamental
participação na revolução atuando com muito trabalho e dedicação. É
impressionante e muito rico seu diário que relata desde os primeiros eventos,
os combates do Rio da Várzea e o Cerco na Lapa. Anotava os atendimentos aos
pacientes nas mais distintas aberrações provocadas pela revolução, e suas
percepções, e inquietações como no relato de sentimentos de saudades pela
família, os sonhos que tinha a noite, o estado deplorável das condições
impostas pela precariedade do lugar, o próprio desenvolver da revolução ou
ainda o relapso da equipe que muitas vezes o deixavam sozinho. Sobre tudo é um diário cheio de informações que revelam
um pouco da própria personalidade de Wolff e a tragédia que foi esta revolução.
Do qual vejo por necessidade da percepção da batalha, sem muito escolher, expor
alguns dias deste vasto diário que inicia no dia 31 de outubro de 1893 até 8 de
março de 1894.A tradução do diário foi feita pelo Dr. Godofredo Guilherme Lutz
Luce, médico alemão, que foi preso em Joinville em 1944, suspeito de ser
nazista. Também Francisco Brito de Lacerda transcreveu a tradução, baseado nas
evidências, tal qual Dr. Godofredo, mas corrigindo a ortografia e concordância,
sem perder a originalidade, expondo de forma mais clara a própria veracidade.
(Diário Dr. Felippe Maria Wolff) “16 de janeiro, terça.
Cedo, cinco horas, começam os canhonaços e depois a fuzilaria. Os
federalistas, durante o dia de ontem e a noite, contornaram a cidade por dois
lados e avançaram para o lado Oeste sobre o Sul, concentrando-se de tal maneira
que a Lapa ficou dentro de uma meia elipse. O fogo mais forte vem do Norte
(Cemitério) e da elevação oriental. Chovem regularmente balas de espingarda e
somente com perigo de vida é possível arriscar-se fora de casa. Os canhões
arremessam balas para dentro da cidade. Cada dois ou três minutos um tiro. Isso
continuou até o meio-dia, depois os federalistas recuaram. Mas até as sete
horas ouviam-se, de tempos em tempos, fuzilarias isoladas e descargas de
artilharia. A cidade está completamente rodeada de trincheiras. Balas isoladas
alcançam e perfuram as janelas e portas, as granadas furam as paredes e fazem
alguns telhados em pedaços. Apareceram alguns feridos, entre os quais Antonio
de Oliveira (fratura de fêmur) e Antonio Saturnino (arma de fogo) e
outros.”(tradução Francisco Brito de Lacerda)
(Diário Dr. Felippe Maria Wolff) “22 de janeiro
Feridos
*Antonio Francisco Jesus. Entrada ao lado testículo esquerdo, lado esquerdo do Pênis roçado, a bala se assentou dentro da nádega esquerda (casa particular).
*Antonio Alves Pinto
(hospital). Entrada a esquerda um pouco para cima do umbigo, aqui prolapso do
epilon saia nas costas por cima do rim. Faleceu às 3 horas cedo em 23.
*João Laurenzo Branco,
federalista de Lages, a esquerda de atraz para frente o pulmão por tiro
perfurador.
*João Laurenzo da luz. Mão
esquerda perfurada por tiro.
*Francisco pereira. Na
articulação do pé direito.
*George Frentop. Perna
direita debaixo da articulação.
*Otto Reuter (Cabo) lado
esquerdo costela pelo tiro raspado ricochetado a bala, arranhadura por arma de
fogo do ombro esquerdo.
*Alferes Alberto Pollak. A
bala entrou pelas costas saindo debaixo do braço esquerdo.
*Peri Constanti. Entrou
debaixo da orelha esquerda saindo perto do olho direito.
*José Calistoda Silva
machado. Na perna direita, lado exterior, a bala provavelmente ricocheteou.”
(tradução Dr. Godofredo
Guilherme Lutz Luce, 1943)
Vestimenta militar. Museu História da Lapa, 07/2007 (Marcelo Hübel) |
(Diário Dr. Felippe Maria Wolff) “23 de janeiro, terça.
As cinco horas da manhã, cheguei ao hospital. Um dos feridos, Antonio
Alves Pinto, com um tiro que atravessara o baixo ventre, havia falecido de
peritonite. Comecei logo a fazer os curativos e a operar. As sete horas, chega
Carneiro e faz um escândalo infernal com o enfermeiro e pelo motivo, eu
presumia, de ninguém ter estado presente na hora da morte. Nós ainda não
tínhamos tido tempo de cuidar do cadáver, pois os vivos prevalecem sobre os
mortos nessas horas. As mão do morto não tinham sido cruzadas sobre o peito,
junto com uma vela e essas coisas. Vendo o morto na mesma posição em que
expirara, Carneiro teve um acesso de ira e proferiu insultos próprios de homem
não muito ilustre, embora eu não ponha dúvida na sua coragem e honestidade.
Trabalhei no hospital até nove e meia da noite. Depois do almoço,
visitei Vilas Boas e a cadeia, retornando ao hospital. Estive também na casa de
Germano Ehlke, recomendados aos carroceiros que levassem minha mala e outros
pertences a casa Lacerda, onde estava Teodoro. Este extravagantemente, insistiu
em ir jantar no hospital. Enquanto jantávamos, recomeçou o bombardeio violento
a cidade. A primeira granada explodiu na casa do Dr. Pacheco, que é contígua ao
hospital. Em seguida, veio forte fogo de artilharia de ambos os lados, durante
cerca de sete horas.” (tradução Francisco Brito de Lacerda).
O cerco vai fechando e a Lapa é palco das cenas
mais dantescas que se podem imaginar. Os revolucionários Maragatos que haviam
tomado o Cemitério não permitem outra opção e os assoalhos da Igreja são
arrancados e os corpos ali enterrados. A quantidade de pessoas mortas e feridas
é grande. O Teatro São João se transforma em enfermaria.
Local onde o General Carneiro faleceu. Museu História da Lapa 07/2007(Marcelo Hübel) |
(Diário Dr. Felippe Maria Wolff)“7 de fevereiro, quarta-feira de
cinzas.
Já de manha desatou o furor. Era o assalto geral e final. Não é
possível expressar como foi a luta nas barricadas,. Carneiro foi ferido as dês
horas, atingido no fígado e Dulcídio talvez uma hora antes. Dei assistência a
Dulcídio que foi transportado para a casa do
Coronel Lacerda. Ferimento por arma de fogo na região hipogástrica,
hérnia peritoneal. Ao meio-dia, o fogo cessou. Carneiro está sendo atendido
pelo Dr. João Cândido, sendo acamado na casa de Pedro Fortunato, ao lado do
Teatro São João, onde João Cândido e família tinham se refugiado desde o
amanhecer. A casa do Dr. Cândido, na Rua das Tropas, foi tomada pelos
federalistas. A farmácia de Olimpio Westphalen está praticamente destruída.
Lebon Régis ferido. Muitos feridos e mortos. Tratei de cinqüenta e oito
feridos, quarenta e seis dos quais gravemente. Quatro faleceram e dois foram
removidos para o Teatro. Fiz três visitas a Dulcídio. .”( tradução Francisco
Brito de Lacerda)
A batalha
cessou, capitulou, assinando a rendição na Casa Lacerda. “A Casa Lacerda é um exemplo de arquitetura
do século XIX. Durante o Cerco da Lapa, foi sede do Quartel General da 2ª
Brigada. Destaca-se pelo fato de ter sido ali assinada, em 11 de fevereiro de
1894, na sala de visitas, a ata da Capitulação da Praça de Guerra com os
dizeres: “forma heróica porque se rendeu a praça, rendendo-se apenas por
circunstâncias especiais supervenientes”. A retirada das tropas dos
Maragatos foi melancólica, e voltaram em longa e sofrida caminhada. A república
estava salva. Termina um dos maiores feitos cívico e militar da história do
Brasil.
“A 8 de maio de 1894, Wolff finalmente
conseguiu deixar a Lapa, levando de trem, para Curitiba, os doentes
remanescentes de sua enfermaria, onde os entregou ao Dr. Ângelo Dourado.”
(VASCONCELLOS, 1991).
Casa Lacerda, Lapa 07/2007(Marcelo Hübel) |
A campanha federalista durou 14 meses e 13 dias e
a marcha percorrida pelos revoltosos, em combates incessantes, foi de 2.500Km.
(MILCZEWSKI - 1994)
“O feito e a proeza dos bravos da Lapa trouxe dias
de luto e de heroísmo, horas lentas de agonia e bravura, momentos de esperança
e desalento. Foi uma odisseia de dor a confundir-se com uma epopeia escrita com
sangue. Espetáculo horrível e belo! Horrível, porque eram todos irmãos e de
todos os lados espadanava rubro e espumante o sangue brasileiro. Era belo,
porque um punhado de bravos se debatia em nome da lei e fazia recuar a falange
poderosa”.(João Cândido Ferreira).
Mas ficaram para trás as trágicas lembranças da
Lapa, com as casas retalhadas de projeteis, das munições. As casas são
restauradas, mas as gerações continuam marcadas pelas cenas deploráveis e
dantescas das degolas, fuzilamentos, extorsões, etc.
DORES DE
UMA REVOLUÇÃO
A revolução passou de forma tão conturbada no Planalto
Norte Catarinense que não provocou perdas materiais aos Fragoso, embora tiveram uma
triste notícia.
Manoel Pereira de Oliveira, conhecido por Neco,
único irmão de Francisca, esposa de Virgínio, era casado com Anna,
carinhosamente chamada de Nhá Ninha. Este casal teve uma filha. Ele gostava
muito de tocar violão e improvisava alguns versos para cantar. Mas
costumeiramente repetia o mesmo verso.
"Quando
eu morrer,
não me
enterrem no sagrado,
me
enterrem no campo bruto,
aonde
for pasto de gado".
Quando Anna ouvia o canto, ficava brava. Ela
acreditava que cantando este triste verso poderia estar atraindo coisa ruim.
Mas Manoel achava graça e revidava animado.
"Ainda
depois de morto
Debaixo
do frio chão
Acharas
teu nome de Anna
Dentro
do meu coração".
Manoel foi para Lapa participar da Revolução
Federalista, deixando todos aflitos pelo seu retorno.
De arma em punho foi
defender os ideais da revolução em honra a Pátria. Mas num momento infeliz,
entre seus companheiros, Manoel foi surpreendido por um tiro que lhe atingiu em
cheio a testa, caindo morto no mesmo instante. Seu corpo permaneceu estirado no
campo de batalha por três dias, e quando num intervalo, cessou o ataque foi
enterrado. Fizeram uma cova rasa e enterraram ele ali mesmo, onde havia caído.
Os versos cessaram, mas de forma trágica, deixando a família abalada. Suas
canções pareciam se completar com a realidade, conforme a superstição de sua
esposa.
"...me
enterrem no campo bruto
aonde
for pasto de gado."
Teatro São João, Lapa 07/2007(Marcelo Hübel) |
Residência onde o General Carneiro foi levado depois de baleado. Museu História da Lapa, 07/2007 (Marcelo Hübel) |
Museu das Armas, Lapa 07/2007. Na revolução improvisação do hospital. (Marcelo Hübel)
|
Igreja Matriz de Santo Antônio, Lapa 07/2007.
Na revolução utilizada na improvisação de cemitério. (Marcelo Hübel) |
SÃO BENTO DEPOIS DA REVOLUÇÃO
No término da revolução,
Joinville se preparava de uma provável invasão federalista com possível
vingança aos apoiadores da República, seguidos de saques e delinqüências e
morte. Fato curioso que São Bento ficaria também com reforços devido a algumas
manifestações que já haviam perturbado a cidade, ficando então a proteção do
23º batalhão agora republicano, conforme relatado pelo comandante dos bombeiros
Félix Hermann Friedrich Karl Heinzelmann “Esses soldados do 23º batalhão, o
mesmo que antigamente era comandado pelo coronel Piragibe e que, no Rio,
participou de todas as lutas. Os soldados tem um bom comportamento, muito
diferente daquele de muitos dos destacamentos do exército brasileiro que aqui
passaram.”
Portanto o Batalhão 23º
com uma metralhadora, também fazia parte do comando Piragibe que provocou tanto
medo e alvoroço em São Bento quando da entrada dos revolucionários.
“Os batalhões eram
compostos por 50 homens. O primeiro era composto por soldados da marinha, toda
a gente preta e muito desarranjada, em parte descalços. O segundo eram soldados
da polícia de Desterro que estava melhor arrumado. Depois vieram as tropas de
linha que estiveram aqui, do 17º e 23º Batalhões que se passaram para o lado
dos revolucionários. Então passou um grupo composto principalmente de
brasileiros, poloneses, mulatos e alemães capturados (“recrutados”). Esta gente
se achava muito deprimida e voltaram as vistas algumas vezes para o nosso lado.
Agora seguiam o batalhão patriótico que se tinha constituído em Desterro.”
(SILVA 2002).
Durante o
estabelecimento das tropas em São Bento, segue curioso envolvimento dos
soldados com a família de Josef Zipperer. “Ao 23º Batalhão, que mencionei,
forneci durante um mês, o rancho aos soldados e subalternos, no meu salão de
bailes. Era eu o único, que dispunha de caldeirões suficientemente grandes,
para cozinhar o feijão e o arroz para tanta gente. Recebiam pela manhã café com
pão; almoço feijão e arroz com carne seca e o mesmo prato a tarde. Eram baianos
e sofriam muito com o frio do inverno daquele ano. Mostravam-se bem
disciplinados e nada ocorreu de anormal em São Bento, durante a sua estada em
nosso meio. Tomaram-se de carinhos pelas crianças e o tradutor desta lembra-se
um corneteiro, de nome Laurentino, que tinha especial afeição, até lhe
permitindo que experimentasse tocar a corneta. Ao se retirar o batalhão de São Bento,
o corneteiro o presenteou com um boneco, que por muitos anos ficou sendo o seu
brinquedo preferido.” (ZIPPERER, 1954).
Grandes líderes
políticos de São Bento tomaram posição frente a Revolução Federalista, e depois
de findar este triste episódio da história, São Bento passou por momentos de
instabilidade entre os rivais políticos.
A morte de dois federalistas, colocou em dúvida a causa e os possíveis
envolvidos. Primeiramente em 1896 a morte trágica de João Filgueiras de
Camargo. “Na sua casa, sita ao lado da ponte sobre o Rio Negro, o antigo chefe
federalista, político, e pessoa lautamente apreciada, Sr. João Filgueiras de
Camargo, foi morto traiçoeiramente quando sentado no lado de uma fogueira, no
rancho anexo a sua casa. O tiro fatal veio da escuridão a queima-roupa e
atingiu o Sr. Camargo pelas costas, prostando-o sem vida. Aconteceu o
assassinato no dia 25 de maio, Ás 9 horas da noite, sem que a polícia, no dia
seguinte, encontrasse vestígio do criminoso. Já no dia seguinte ficou provado
que não se tratava de crime político e sim de uma vingança particular, em
conseqüência de “cherchez la femme”. João Filgueiras de Camargo foi homem muito
estimado, apesar das suas atividades federalistas durante a Revolução, e muitos
choraram o fim trágico que teve. A 21 de julho a viúva acusou formalmente, no
processo criminal instaurado, um seu parente, João Elias Fragoso, como autor do
assassinato, membro da Câmara Municipal de Campo Alegre.” (FICKER, 1973).
Define-se, portanto em pronúncia francesa, que para todos assuntos, ou
particularmente para esta situação é necessário verificar se não há nenhuma
mulher envolvida.
João Elias Fragoso era
filho de José Soares Fragoso e Rosa Calistro Camargo, natural do Paraná, mas
residente em Fragosos, distrito de São Bento. Casado com Maria Joaquina da
Rocha, filha de Candido José Camargo e Maria da Rocha.
Mas João Filgueiras de
Camargo não foi o único a ser assassinado. Poucos meses depois outro
simpatizante federalista é morto, agora Alberto Malschitzky, sendo assassinado
em sua própria residência, com um tiro que passou pela janela. Ocorreram
sucessivas repercussões deste ocorrido com tumultuadas ações que envolviam
testemunhas, e a acusação de diversas pessoas envolvidas com o crime, que
sucumbiam ser deflagrados por interesses políticos. Muitas inverdades foram
profanadas e especulações rondavam uma grande trama, mas com o “Art.294_1 do
Código criminal. O Juiz de Direito suplente, Francisco Antonio Maximiano,
pronunciou somente o Capitão Dias, despronunciando, porém Bueno Franco e João
Elias.” (FICKER, 1973).
Panteon dos Heroes, Lapa, 07/2007,
mantém os restos mortais dos bravos militares da revolução. (Marcelo Hübel) |
Fonte: Livro "PIONEIROS" Autor: Marcelo Hübel