O AMOR
NÃO TEM IDADE
Do primeiro casamento Virgínio Soares Fragoso teve
dois filhos, Marcolino e Joaquina, mas ele ficou viúvo quando os filhos ainda
eram crianças. Casou então pela segunda vez com Anna dos Santos, e não teve
filhos. Mas ficou viúvo novamente.
O tempo passou e deixou Virgínio de cabelos
brancos. Mas a idade não o impedia das viagens até Morretes, contudo agora ele
tinha a companhia de seus netos, Augusto José Fragoso filho de Marcolino, e
mais outros dois netos filhos de Joaquina.
Seus netos viajavam na frente da tropa como
madrinheiros batendo o sincero montado na mula com queijeira no pescoço.
Seu Virgínio apresentava muita popularidade, sendo
querido em muitos lugares por onde passava, recebendo pouso em algumas casas do
caminho que levava até Morretes. Dentre estas casas, uma ele tinha preferência
em pernoitar. Tratava-se da casa de Pedro de Paula Gomes e Idalina Gomes,
residentes na localidade de Omborá conhecido também como Alto do São João.
Este casal não tinha filhos e adotaram a sobrinha
chamada Francisca Pereira de Oliveira, natural de São José dos Pinhais, Paraná,
filha legitima de Manoel Pereira de Oliveira e Maria Gertrudes. Mas o pai
biológico de Francisca faleceu três meses antes do nascimento da filha, já a
mãe de Francisca faleceu catorze dias após o parto. Mas Francisca teve todos os
cuidados desde berço, foi para a escola, e em casa, aprendia com Dona Idalina
Gomes os ofícios da casa como: corte e costura, crochê, bordado, além da
fabricação de arranjos de flores artificiais e fabricação de chapéus trançados
com folhas de butiá, usados para o trabalho na roça.
Nas contínuas visitas, Virgínio presenciou o
crescimento da linda menina e a admirava muito.
Em todas as viagens que fazia para Morretes,
Virgínio providenciava uma lembrança, para no regresso, presentear a família
Gomes.
Este presente não simbolizava apenas a gratidão de
sua amizade ou o agradecimento do pouso que sempre era oferecido pelo casal
amigo. Mas Virgínio se apaixonou pela jovem morena que lhe cativou o coração,
de tal forma que os 13 anos de idade da jovem mocinha pareciam não ter
diferença frente aos 57 anos de idade de Virgínio. No percurso de viajem era
possível pousar em muitos lugares, mas Virgínio intensificou o pouso na casa de
Francisca, e costumeiramente presenteava os pais da menina ao regressar de
Morretes. O casal Gomes repletos de satisfação, e avaliando o espírito cordial
que mantinha, instigou a atenção de ser um bom pretendente a casamento para
Francisca. Situação já aspirada por Virgínio.
Nesta época eram os pais que escolhiam o homem para
casar com sua filha. Tendo a responsabilidade de escolher o melhor pretendente.
E a moça ficava apenas avisada do namorado prometido, mas o namoro ficava
restrito apenas aos olhares. Porem no caso de Virgínio o namoro foi um pouco
diferente, pois a moça não sabia que ele era seu namorado.
O namoro ficava restrito apenas ao olhar do noivo.
Quando este fazia a visita ficava acompanhado pelos pais e somente observava
sua futura esposa quando esta entrava na sala para entregar o chimarrão ou
ainda servir o cafezinho, e já retornava para a cozinha. Retornava para a sala
apenas quando o futuro marido pedia licença para se despedir. O namoro seguiu
este ritmo por algumas semanas, quando finalmente Pedro de Paula Gomes e
Idalina Gomes ofereceram a mão de sua filha em casamento. A princípio o casal
Gomes ficou um pouco preocupado e aflito pela resposta do noivo, mas tudo
ocorreu bem, Virgínio, aceitou com toda satisfação.
Virgínio Soares Fragoso detinha as qualidades
ideais de um bom genro. Apesar da idade avançada, Francisca Pereira de Oliveira
estava bem encaminhada, pois Virgínio era muito simpático e atencioso para com
a menina e também acumulava grande virtude, sabedoria e experiência. Além de
usufruir muito conforto e riqueza como: terrenos, ouro, prata e uma tropa de
mulas.
Apesar do noivado ter sido concretizado e o casamento ter sido marcado,
a jovem Francisca agora com 16 anos, ainda não sabia quem era seu tão almejado
noivo tão pouco sabia que o casamento estava tão próximo. Os pais apoiavam o
matrimônio e simpatizavam com o noivo, mas a noiva poderia resistir ao
casamento. Portanto seu futuro seria desvendado apenas no dia do casamento.
O
CASAMENTO 1889
Faltavam oito dias para o casamento ser realizado,
Francisca tem a revelação que o casamento seria em São Bento, mas ainda sem
saber com quem casaria. Em Omborá Dona Idalina Gomes preparava a noiva. Mas a
alegria da nova vida ficava escondida na tristeza da separação da família.
Mesmo assim os pais de Francisca tentavam esconder a aflição. Idalina Gomes consolava
sua filha com palavras de conforto e coragem, mas por mais explicações que
surgissem, parecia impossível sucumbirem as lágrimas que desciam a face da
pequena Francisca. Seu estado ficou ainda pior quando ficou sabendo que apenas
seu pai e seu tio Francisco Xavier iriam lhe acompanhar até São Bento. Mas não
tinha outro jeito, não haviam possibilidades de outros convidados acompanharem
a viagem, de Omborá até São Bento, pois além da dificuldade do caminho a
distância era muito grande, quatro dias de viajem.
Chegou o dia da partida e os três viajantes
seguiram o rumo para a terra do noivo. Durante a noite os cavalos foram presos
no piquete. Amanheceu, e todos ajudaram a encilhar os cavalos e arrumar as
mulas com cangalhas para transportar as malas do enxoval.
Eles chegaram em São Bento do Sul um dia antes do
casamento. E foram recepcionados por Dona Francisca Soares Fragoso. Todos
ficaram hospedados na residência do Dr. Wolff um grande amigo de Virgínio.
Residência,
farmácia e clínica do Dr. Felippe Maria Wolff. Atualmente Museu Municipal
Felippe Maria Wolff. (AHSBS)
No outro dia às nove horas a noiva vai até a
sacada para finalmente conhecer seu noivo. Pois ele haveria de entrar na cidade
e passar próximo da casa. Mesmo que de muito longe já era possível avistar uma
movimentação na estrada, estreita e semicoberta pelas copadas de árvores,
quando chegavam no alto de algum morro eram vistos com facilidade. Enfim o
noivo e os padrinhos se aproximavam em cavalgada, soltando “fogos”.
Francisca Pereira de Oliveira impaciente em
conhecer o noivo pediu para sua cunhada (também chamada de mana, atribuição
entre irmãos (as) e cunhados(as)) para apontar na direção de seu futuro marido.
Mas nem um gesto nem uma palavra foram pronunciados, imperava apenas o silêncio.
Os cavalheiros se aproximavam cada vez mais, no
entanto não tinha como saber qual era o noivo, pois como de costume o noivo
deveria entrar na cidade na frente de outros cavaleiros "fazendo
gauchada", o que não ocorria. (“O termo “gauchada” é usado por Zeferina em
seus manuscritos. Interpreto como sendo uma exibição que consiste do
posicionamento do noivo com seu cavalo, mais a frente, sendo então o
cavalo estimulado a vários movimentos, entre eles o trote rápido,
paradas bruscas e puxadas de freio mais ousadas deixando o cavalo em duas
patas. Entretanto deixo em aberto outras interpretações, imaginações e
opiniões”).
Francisca Pereira de Oliveira irrequieta insistia
em saber qual era seu noivo. Mas Francisca Soares Fragoso com dó da menina
apenas comentou que seu noivo estava com dor de dente e vinha com um pano
branco preso no queixo.
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Alberto Malschitzky (AHSBS)
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Passou pouco tempo e a noiva avistou seu futuro
marido que se aproximava com o cavalo todo enfeitado com panos e metais
prateados no peitoral, com belo estribo, rabicho... Mas a pobre menina ficou
triste com o sofrimento das dores que o noivo deveria estar sentindo com a dor
de dente. A inocência de Francisca Pereira de Oliveira não percebeu que o pano
branco amarrado no queixo, na verdade era a longa barba branca de Virgínio,
enquanto o chapéu escondia seus cabelos brancos como a neve, marcas de seus 60
anos.
O noivo entrou na vila e foi se hospedar no hotel
do Sr. Lutz. Enquanto isso a noiva e sua cunhada foram se aprontar para o
casamento.
Não demorou muito e ouviu-se o barulho dos
foguetes anunciando que o noivo já estava pronto e se encaminhava para pegar a
noiva.
Entre os convidados estavam presentes no casamento
João Figueira de Camargo e Sr. Alberto Malschitzky, amigos de Virgínio.
Francisca Pereira de Oliveira toda de branco e com
a mão sobre o braço de seu pai adotivo e também padrinho, saiu pela porta, e
viu apenas homens que aparentavam muita idade. Não acreditava que seu noivo
estivesse entre aqueles senhores. Até porque nenhum tinha lenço no queixo e
muito menos aparentando ter dores de dente.
Passado aqueles instantes todos se dirigiram a
Superintendência Municipal onde se realizaria o casamento.
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Da esquerda para direita, primeiro a casa que recebia os primeiros imigrantes,
em segundo a superintendência.
Localidade atual da Praça Getúlio Vargas. (AHSBS)
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Entraram numa sala grande onde havia uma mesa ao
centro, com toalha branca e seis cadeiras. Primeiramente sentou Francisca
Pereira de Oliveira, em seguida seu padrinho, sentou ao seu lado, e em sua
frente sentou o velho Virgínio, acompanhado de João Filgueiras de Camargo 37
anos e José Soares Fragoso 58 anos.
Começaram a cerimônia lendo e escrevendo, e
Francisca apreensiva ficava imaginando quem seria seu futuro noivo. Em instantes
Virgínio Soares Fragoso levantou-se dizendo fazer gosto em receber Francisca
Pereira de Oliveira como sua legitima esposa. A pobre Francisca parecia entrar
em choque e vários pensamentos passaram pela sua cabeça, ao mesmo tempo corria
um arrepio, um frio e uma vontade de chorar. E logo fizeram a pergunta para a
jovem menina. Se ela realmente queria selar o casamento. Não tendo como recusar
um desejo de seus pais ela aceitou Virgínio como seu legitimo marido. Mas
manteve-se perplexa e sem acreditar em tudo o que estava acontecendo. E no
livro de casamento se fez constar, “Declararam mais que o casamento foi feito
seguindo os costumes do Império, e que não houve impedimento algum”.
Todos ficaram muito felizes e parabenizavam o
casal, os cumprimentos se estendiam entre as duas famílias.
Saindo da superintendência todos foram para o
Hotel do Sr. Lutz para pegar os cavalos e voltar para Fragosos. Os cavalos dos
noivos esbanjavam beleza com detalhes em prata, sendo do noivo o mais bonito,
embora os outros dois cavalos também eram sadios e marchadores, fazendo encanto
com o barulho dos metais. E seguiram para Fragosos. Como de costume nas festas
de casamento os noivos e convidados foram parando pelo caminho em todo comércio
que se encontrava aberto, para tomar um vinho, cerveja, ou como diziam:
"um mata-bicho".
Nesta época a cerveja de garrafa simples custava
duzentos reis e a garrafa dupla trezentos reis o mesmo preço da cachaça, sendo
um preço justo e de alcance para todos. Mas apenas os homens podiam ingerir
bebidas alcoólicas, sendo também os únicos que entravam nos bares. As mulheres
ficavam montadas nos cavalos esperando os homens trazerem algum refresco.
E assim passaram pela venda do Sr. Henrique
Jürgensem em Oxford, depois foram em direção da estrada Dona Francisca na casa
do Sr. Max Wagner, que apresentava um local para bailes e teatros. Depois de
alguns anos esta casa foi vendida para o Sr. França Neumann. Naquela época
também havia o salão do Sr. Swarowsky que era mais para frente do salão do Sr.
Max. E após alguns anos fizeram o salão da Sociedade dos Alemães Brasileiros,
Sängerhalle.
Continuaram a cavalgada. Os convidados subiram e
desceram os morros em direção a Fragosos, mas antes de chegar em casa passaram
na venda do Sr. João Filgueiras de Camargo para tomar a última bebida. E assim
cada qual seguiu para a sua casa. O casal, junto com alguns parentes mais
próximos, chegaram na casa do noivo onde foram recepcionados pela filha de
Virgínio, que apresentou a casa para sua madrasta. A janta já estava pronta e
todos fizeram a refeição.
João Filgueiras de Camargo (in: AMMON, 1923)
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Disponível para venda na BANDA GIBI ao lado do Correio no Centro de São Bento do Sul |