terça-feira, 4 de novembro de 2014

PIONEIROS São Bento do Sul - SC namoro e casamento em 1889

O AMOR NÃO TEM IDADE

Do primeiro casamento Virgínio Soares Fragoso teve dois filhos, Marcolino e Joaquina, mas ele ficou viúvo quando os filhos ainda eram crianças. Casou então pela segunda vez com Anna dos Santos, e não teve filhos. Mas ficou viúvo novamente.
O tempo passou e deixou Virgínio de cabelos brancos. Mas a idade não o impedia das viagens até Morretes, contudo agora ele tinha a companhia de seus netos, Augusto José Fragoso filho de Marcolino, e mais outros dois netos filhos de Joaquina.
Seus netos viajavam na frente da tropa como madrinheiros batendo o sincero montado na mula com queijeira no pescoço.
Seu Virgínio apresentava muita popularidade, sendo querido em muitos lugares por onde passava, recebendo pouso em algumas casas do caminho que levava até Morretes. Dentre estas casas, uma ele tinha preferência em pernoitar. Tratava-se da casa de Pedro de Paula Gomes e Idalina Gomes, residentes na localidade de Omborá conhecido também como Alto do São João.
Este casal não tinha filhos e adotaram a sobrinha chamada Francisca Pereira de Oliveira, natural de São José dos Pinhais, Paraná, filha legitima de Manoel Pereira de Oliveira e Maria Gertrudes. Mas o pai biológico de Francisca faleceu três meses antes do nascimento da filha, já a mãe de Francisca faleceu catorze dias após o parto. Mas Francisca teve todos os cuidados desde berço, foi para a escola, e em casa, aprendia com Dona Idalina Gomes os ofícios da casa como: corte e costura, crochê, bordado, além da fabricação de arranjos de flores artificiais e fabricação de chapéus trançados com folhas de butiá, usados para o trabalho na roça.
Nas contínuas visitas, Virgínio presenciou o crescimento da linda menina e a admirava muito.

Em todas as viagens que fazia para Morretes, Virgínio providenciava uma lembrança, para no regresso, presentear a família Gomes.
Este presente não simbolizava apenas a gratidão de sua amizade ou o agradecimento do pouso que sempre era oferecido pelo casal amigo. Mas Virgínio se apaixonou pela jovem morena que lhe cativou o coração, de tal forma que os 13 anos de idade da jovem mocinha pareciam não ter diferença frente aos 57 anos de idade de Virgínio. No percurso de viajem era possível pousar em muitos lugares, mas Virgínio intensificou o pouso na casa de Francisca, e costumeiramente presenteava os pais da menina ao regressar de Morretes. O casal Gomes repletos de satisfação, e avaliando o espírito cordial que mantinha, instigou a atenção de ser um bom pretendente a casamento para Francisca. Situação já aspirada por Virgínio.
Nesta época eram os pais que escolhiam o homem para casar com sua filha. Tendo a responsabilidade de escolher o melhor pretendente. E a moça ficava apenas avisada do namorado prometido, mas o namoro ficava restrito apenas aos olhares. Porem no caso de Virgínio o namoro foi um pouco diferente, pois a moça não sabia que ele era seu namorado.
O namoro ficava restrito apenas ao olhar do noivo. Quando este fazia a visita ficava acompanhado pelos pais e somente observava sua futura esposa quando esta entrava na sala para entregar o chimarrão ou ainda servir o cafezinho, e já retornava para a cozinha. Retornava para a sala apenas quando o futuro marido pedia licença para se despedir. O namoro seguiu este ritmo por algumas semanas, quando finalmente Pedro de Paula Gomes e Idalina Gomes ofereceram a mão de sua filha em casamento. A princípio o casal Gomes ficou um pouco preocupado e aflito pela resposta do noivo, mas tudo ocorreu bem, Virgínio, aceitou com toda satisfação.
Virgínio Soares Fragoso detinha as qualidades ideais de um bom genro. Apesar da idade avançada, Francisca Pereira de Oliveira estava bem encaminhada, pois Virgínio era muito simpático e atencioso para com a menina e também acumulava grande virtude, sabedoria e experiência. Além de usufruir muito conforto e riqueza como: terrenos, ouro, prata e uma tropa de mulas.
Apesar do noivado ter sido concretizado e o casamento ter sido marcado, a jovem Francisca agora com 16 anos, ainda não sabia quem era seu tão almejado noivo tão pouco sabia que o casamento estava tão próximo. Os pais apoiavam o matrimônio e simpatizavam com o noivo, mas a noiva poderia resistir ao casamento. Portanto seu futuro seria desvendado apenas no dia do casamento.

O CASAMENTO 1889

Faltavam oito dias para o casamento ser realizado, Francisca tem a revelação que o casamento seria em São Bento, mas ainda sem saber com quem casaria. Em Omborá Dona Idalina Gomes preparava a noiva. Mas a alegria da nova vida ficava escondida na tristeza da separação da família. Mesmo assim os pais de Francisca tentavam esconder a aflição. Idalina Gomes consolava sua filha com palavras de conforto e coragem, mas por mais explicações que surgissem, parecia impossível sucumbirem as lágrimas que desciam a face da pequena Francisca. Seu estado ficou ainda pior quando ficou sabendo que apenas seu pai e seu tio Francisco Xavier iriam lhe acompanhar até São Bento. Mas não tinha outro jeito, não haviam possibilidades de outros convidados acompanharem a viagem, de Omborá até São Bento, pois além da dificuldade do caminho a distância era muito grande, quatro dias de viajem.
Chegou o dia da partida e os três viajantes seguiram o rumo para a terra do noivo. Durante a noite os cavalos foram presos no piquete. Amanheceu, e todos ajudaram a encilhar os cavalos e arrumar as mulas com cangalhas para transportar as malas do enxoval.
Eles chegaram em São Bento do Sul um dia antes do casamento. E foram recepcionados por Dona Francisca Soares Fragoso. Todos ficaram hospedados na residência do Dr. Wolff um grande amigo de Virgínio.



Residência, farmácia e clínica do Dr. Felippe Maria Wolff. Atualmente Museu Municipal Felippe Maria Wolff. (AHSBS)

No outro dia às nove horas a noiva vai até a sacada para finalmente conhecer seu noivo. Pois ele haveria de entrar na cidade e passar próximo da casa. Mesmo que de muito longe já era possível avistar uma movimentação na estrada, estreita e semicoberta pelas copadas de árvores, quando chegavam no alto de algum morro eram vistos com facilidade. Enfim o noivo e os padrinhos se aproximavam em cavalgada, soltando “fogos”.
Francisca Pereira de Oliveira impaciente em conhecer o noivo pediu para sua cunhada (também chamada de mana, atribuição entre irmãos (as) e cunhados(as)) para apontar na direção de seu futuro marido. Mas nem um gesto nem uma palavra foram pronunciados, imperava apenas o silêncio.
Os cavalheiros se aproximavam cada vez mais, no entanto não tinha como saber qual era o noivo, pois como de costume o noivo deveria entrar na cidade na frente de outros cavaleiros "fazendo gauchada", o que não ocorria. (“O termo “gauchada” é usado por Zeferina em seus manuscritos. Interpreto como sendo uma exibição que consiste do posicionamento do noivo com seu cavalo, mais a frente, sendo então  o  cavalo estimulado a vários movimentos, entre eles o trote rápido, paradas bruscas e puxadas de freio mais ousadas deixando o cavalo em duas patas. Entretanto deixo em aberto outras interpretações, imaginações e opiniões”).
Francisca Pereira de Oliveira irrequieta insistia em saber qual era seu noivo. Mas Francisca Soares Fragoso com dó da menina apenas comentou que seu noivo estava com dor de dente e vinha com um pano branco preso no queixo.
Alberto Malschitzky (AHSBS)
Passou pouco tempo e a noiva avistou seu futuro marido que se aproximava com o cavalo todo enfeitado com panos e metais prateados no peitoral, com belo estribo, rabicho... Mas a pobre menina ficou triste com o sofrimento das dores que o noivo deveria estar sentindo com a dor de dente. A inocência de Francisca Pereira de Oliveira não percebeu que o pano branco amarrado no queixo, na verdade era a longa barba branca de Virgínio, enquanto o chapéu escondia seus cabelos brancos como a neve, marcas de seus 60 anos.
O noivo entrou na vila e foi se hospedar no hotel do Sr. Lutz. Enquanto isso a noiva e sua cunhada foram se aprontar para o casamento.
Não demorou muito e ouviu-se o barulho dos foguetes anunciando que o noivo já estava pronto e se encaminhava para pegar a noiva.
Entre os convidados estavam presentes no casamento João Figueira de Camargo e Sr. Alberto Malschitzky, amigos de Virgínio.

Francisca Pereira de Oliveira toda de branco e com a mão sobre o braço de seu pai adotivo e também padrinho, saiu pela porta, e viu apenas homens que aparentavam muita idade. Não acreditava que seu noivo estivesse entre aqueles senhores. Até porque nenhum tinha lenço no queixo e muito menos aparentando ter dores de dente.
Passado aqueles instantes todos se dirigiram a Superintendência Municipal onde se realizaria o casamento.

Da esquerda para direita, primeiro a casa que recebia os primeiros imigrantes,
 em segundo a superintendência. 
Localidade atual da Praça Getúlio Vargas. (AHSBS)
Entraram numa sala grande onde havia uma mesa ao centro, com toalha branca e seis cadeiras. Primeiramente sentou Francisca Pereira de Oliveira, em seguida seu padrinho, sentou ao seu lado, e em sua frente sentou o velho Virgínio, acompanhado de João Filgueiras de Camargo 37 anos e José Soares Fragoso 58 anos.
Começaram a cerimônia lendo e escrevendo, e Francisca apreensiva ficava imaginando quem seria seu futuro noivo. Em instantes Virgínio Soares Fragoso levantou-se dizendo fazer gosto em receber Francisca Pereira de Oliveira como sua legitima esposa. A pobre Francisca parecia entrar em choque e vários pensamentos passaram pela sua cabeça, ao mesmo tempo corria um arrepio, um frio e uma vontade de chorar. E logo fizeram a pergunta para a jovem menina. Se ela realmente queria selar o casamento. Não tendo como recusar um desejo de seus pais ela aceitou Virgínio como seu legitimo marido. Mas manteve-se perplexa e sem acreditar em tudo o que estava acontecendo. E no livro de casamento se fez constar, “Declararam mais que o casamento foi feito seguindo os costumes do Império, e que não houve impedimento algum”.
Todos ficaram muito felizes e parabenizavam o casal, os cumprimentos se estendiam entre as duas famílias.
Saindo da superintendência todos foram para o Hotel do Sr. Lutz para pegar os cavalos e voltar para Fragosos. Os cavalos dos noivos esbanjavam beleza com detalhes em prata, sendo do noivo o mais bonito, embora os outros dois cavalos também eram sadios e marchadores, fazendo encanto com o barulho dos metais. E seguiram para Fragosos. Como de costume nas festas de casamento os noivos e convidados foram parando pelo caminho em todo comércio que se encontrava aberto, para tomar um vinho, cerveja, ou como diziam: "um mata-bicho".
Nesta época a cerveja de garrafa simples custava duzentos reis e a garrafa dupla trezentos reis o mesmo preço da cachaça, sendo um preço justo e de alcance para todos. Mas apenas os homens podiam ingerir bebidas alcoólicas, sendo também os únicos que entravam nos bares. As mulheres ficavam montadas nos cavalos esperando os homens trazerem algum refresco.
E assim passaram pela venda do Sr. Henrique Jürgensem em Oxford, depois foram em direção da estrada Dona Francisca na casa do Sr. Max Wagner, que apresentava um local para bailes e teatros. Depois de alguns anos esta casa foi vendida para o Sr. França Neumann. Naquela época também havia o salão do Sr. Swarowsky que era mais para frente do salão do Sr. Max. E após alguns anos fizeram o salão da Sociedade dos Alemães Brasileiros, Sängerhalle.
Continuaram a cavalgada. Os convidados subiram e desceram os morros em direção a Fragosos, mas antes de chegar em casa passaram na venda do Sr. João Filgueiras de Camargo para tomar a última bebida. E assim cada qual seguiu para a sua casa. O casal, junto com alguns parentes mais próximos, chegaram na casa do noivo onde foram recepcionados pela filha de Virgínio, que apresentou a casa para sua madrasta. A janta já estava pronta e todos fizeram a refeição.



João Filgueiras de Camargo (in: AMMON, 1923)


Disponível para venda na BANDA GIBI ao lado do Correio no Centro de São Bento do Sul